terça-feira, 28 de maio de 2013

Escritor Mia Couto ganha Prémio Camões

(actualizado às )

Prémio, que tem o valor de 100 mil euros, foi anunciado ao princípio da noite desta segunda-feira no Rio de Janeiro.
O vencedor do prémio literário mais importante da criação literária da língua portuguesa é o escritor moçambicano autor de livros como Raiz de Orvalho, Terra Sonâmbula e A Confissão da Leoa . É o segundo autor de Moçambique a ser distinguido, depois de José Craveirinha em 1991.
O júri justificou a distinção de Mia Couto tendo em conta a “vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e a profunda humanidade”, segundo disse à agência Lusa José Carlos Vasconcelos, um dos jurados.
A obra de Mia Couto, “inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade”, acrescentou Vasconcelos. Além disso, conseguiu “passar do local para o global”, numa produção que já conta 30 livros, que tem extravasado as suas fronteiras nacionais e tem “tido um grande reconhecimento da crítica”. Os seus livros estão, de resto, traduzidos em duas dezenas de línguas.
Do júri, que se reuniu durante a tarde desta segunda-feira no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro e da Biblioteca Nacional, fizeram também parte, do lado de Portugal, a professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa Clara Crabbé Rocha (filha de Miguel Torga, o primeiro galardoado com o Prémio Camões, em 1989), os brasileiros Alcir Pécora, crítico e professor da Universidade de Campinas, e Alberto da Costa e Silva, embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e professor universitário moçambicano João Paulo Borges Coelho e o escritor angolano José Eduardo Agualusa.
Também em declaração à Lusa, Mia Couto disse-se "surpreendido e muito feliz" por ter sido distinguido com o 25º. Prémio Camões, num dia que, revelou, não lhe estava a correr de feição. “Recebi a notícia há meia hora, num telefonema que me fizeram do Brasil. Logo hoje, que é um daqueles dias em que a gente pensa: vou jantar, vou deitar-me e quero me apagar do mundo. De repente, apareceu esta chamada telefónica e, obviamente, fiquei muito feliz”, comentou o escritor, sem adiantar as razões.
O editor português de Mia Couto, Zeferino Coelho (Caminho), ficou também “contentíssimo” quando soube da distinção. “Já há muitos anos esperava que lhe dessem o Prémio Camões, finalmente veio”, disse ao PÚBLICO, lembrando que passam agora 30 anos sobre a edição do primeiro livro de Mia Couto em Moçambique, Raiz de Orvalho.
O escritor não virá à Feira do Livro de Lisboa, actualmente a decorrer no Parque Eduardo VII, porque esteve na Feira do Livro de Bogotá, depois foi para o Canadá e só recentemente voltou a Maputo. Zeferino Coelho espera que o autor regresse a Portugal na rentrée, em Setembro ou Outubro.
Nascido em 1955, na Beira, no seio de uma família de emigrantes portugueses, Mia Couto começou por estudar Medicina na Universidade de Lourenço Marques (actual Maputo). Integrou, na sua juventude, o movimento pela independência de Moçambique do colonialismo português. A seguir à independência, na sequência do 25 de Abril de 1974, interrompe os estudos e vira-se para o jornalismo, trabalhando em publicações como A Tribuna, Tempo e Notícias, e também a Agência de Informação de Moçambique (AIM), de que foi director.
Em meados da década de 1980, regressa à universidade para se formar em Biologia. Nessa altura, tinha já publicado, em 1983, o seu primeiro livro de poesia, Raiz de Orvalho.
"O livro surgiu em 1983, numa altura em que a revolução de Moçambique estava em plena pujança e todos nós tínhamos, de uma forma ou de outra, aderido à causa da independência. E a escrita era muito dominada por essa urgência política de mudar o mundo, de criar um homem e uma sociedade nova, tornou-se uma escrita muito panfletária”, comentou Mia Couto em entrevista ao PÚBLICO (20/11/1999), aquando da reedição daquele título pela Caminho.
Em 1986 edita o seu primeiro livro de crónicas, Vozes Anoitecidas, que lhe valeu o prémio da Associação de Escritores Moçambicanos. Mas é com o romance, e nomeadamente com o seu título de estreia neste género, Terra Sonâmbula (1992), que Mia Couto manifesta os primeiros sinais de “desobediência” ao padrão da língua portuguesa, criando fórmulas vocabulares inspiradas da língua oral que irão marcar a sua escrita e impor o seu estilo muito próprio.
“Só quando quis contar histórias é que se me colocou este desafio de deixar entrar a vida e a maneira como o português era remoldado em Moçambique para lhes dar maior força poética. A oralidade não é aquela coisa que se resolve mandando por aí umas brigadas a recolher histórias tradicionais, é muito mais que isso”, disse, na citada entrevista. E acrescentou: “Temos sempre a ideia de que a língua é a grande dama, tem que se falar e escrever bem. A criação poética nasce do erro, da desobediência.”
Foi nesse registo que se sucederam romances, sempre na Caminho, como A Varanda do Frangipani (1996), Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terra (2002 – que o realizador José Carlos Oliveira haveria de adaptar ao grande ecrã), O Outro Pé da Sereia (2006), Jesusalém (2009), ou A Confissão da Leoa (2012). A propósito dos seus últimos livros, o escritor confessou algum cansaço por a sua obra ser muitas vezes confundida com a de um jogo de linguagem, por causa da quantidade de palavras e expressões “novas” que neles aparecem.
Paralelamente aos romances, Mia Couto continuou a escrever e a editar crónicas e poesia – “Eu sou da poesia”, justificou, numa referência às suas origens literárias.
Na sua carreira, foi também acumulando distinções, como os prémios Vergílio Ferreira (1999, pelo conjunto da obra), Mário António/Fundação Gulbenkian (2001), União Latina de Literaturas Românicas (2007) ou Eduardo Lourenço (2012).
Nas anteriores 24 edições do Prémio Camões, Portugal e Brasil foram distinguidos dez vezes cada, a última das quais, respectivamente, nas figuras de Manuel António Pina (2011) e de Dalton Trevisan (2012). Angola teve, até ao momento, dois escritores citados: Pepetela, em 1997, e José Luandino Vieira, que, em 2006, recusou o prémio. De Moçambique fora já premiado José Craveirinha (1991) e de Cabo Verde Arménio Vieira (2009).
Criado por Portugal e pelo Brasil em 1989, e actualmente com o valor monetário de cem mil euros, este é o principal prémio destinado à literatura em língua portuguesa e consagra anualmente um autor que, pelo valor intrínseco da sua obra, tenha contribuído para o enriquecimento do património literário e cultural da língua comum. Com Isabel Coutinho

segunda-feira, 27 de maio de 2013

O "milagre" da expansão da cortiça Hugo Torres e Vera Moutinho 25/05/2013 - 13:41

Os investigadores Helena Pereira e António Velez descobriram um método para aumentar o volume da cortiça através de micro-ondas. O projecto é finalista no Prémio Europeu do Inventor, cujos vencedores serão anunciados pelo Instituto Europeu de Patentes a 28 de Maio, em Amesterdão.
 
Hugo Torres e Vera Moutinho , Público,  25/05/2013

Vídeo em 
http://www.publico.pt/multimedia/video/o-milagre-da-expansao-da-cortica-20130523-135737

Aquilino Ribeiro (1885-1963), um anarquista no Panteão Nacional


 
aquilino_ribeiro
Este ano assinalam-se os 50 anos da morte de Aquilino Ribeiro, um dos grandes escritores portugueses. Para além de uma escrita notável, empenhado nos aspectos sociais e sensível ao sofrimento dos mais pobres e dos explorados, Aquilino Ribeiro teve uma militância anarquista conhecida na sua juventude, permanecendo sempre muito ligado aos princípios libertários.
Segundo os seus biógrafos, e nunca escondido por ele próprio (nomeadamente nos seus livros mais autobiográficos como “Um Escritor Confessa-se”), foi um homem de acção, esteve preso e foi perseguido, enquanto anarquista, e segundo alguns historiadores, poderá ter estado mesmo ligado ao regicídio de D. Carlos. Os métodos de acção directa não lhe eram estranhos.
A partir de 1902 frequentou o Seminário de Beja, de onde foi expulso em 1904, “depois de ter dado uma réplica cortante a uma acusação do Padre Manuel Ançã, um dos dois irmãos que ao tempo dirigiam a instituição” (1)
Três anos depois, em 1907, com 22 anos de idade, “o rebentamento de caixotes de explosivos guardados na sua casa leva à morte de dois correligionários e a que seja encarcerado na esquadra do Caminho Novo, de onde se evade em situações rocambolescas, como se pode ler no volume de memórias antes mencionado”.(1)
Evade-se da prisão a 12 de Janeiro de 1908 e durante a clandestinidade em Lisboa mantém os contactos com os regicidas, refugiado, na Rua Nova do Almada, em frente da Boa Hora.
Homem de acção, depois de estar algum tempo na clandestinidade, foge para Paris, de onde regressa em 1914.
Participa na revolta de 7 de Fevereiro de 1927, em Lisboa. Exila-se em Paris. No fim do ano regressa a Portugal, clandestinamente, participando na revolta de Pinhel. Encarcerado no presídio de Fontelo (Viseu), evade-se e volta a Paris. Em Lisboa é julgado à revelia em Tribunal Militar, e condenado.
Regressa posteriormente a Portugal, onde morre a 27 de Maio de 1963, quando se comemoravam os 50 anos da sua actividade literária . Na ocasião estavam-lhe a ser feitas homenagens em várias cidades do país. Nessa mesma hora, a Censura comunicava aos jornais não ser mais permitido falar das homenagens que lhe estavam a ser prestadas.
Em 2007, por entre muitos protestos dos sectores mais reaccionários da sociedade portuguesa, a Assembleia da República decidiu homenagear a sua memória e conceder aos seus restos mortais as honras de Panteão Nacional (2). Na frieza da Igreja de Santa Engrácia, se os mortos falassem, Aquilino Ribeiro talvez só pudesse ter uma conversa decente com o velho Guerra Junqueiro, cujos ossos também ali repousam.
lobos uivamNos seus livros a luta pela liberdade é sempre uma constante e uma das suas obras primas “Quando os Lobos Uivam”, que esteve proibido durante o fascismo, é um verdadeiro hino à insubmissão e, por todo ele, perpassa um halo libertário de apelo à revolta e à transformação social.
Aquilino Ribeiro foi um vulto grande do pensamento social, anarquista militante em várias fases da sua vida, para além de um enorme escritor e intelectual, como o foram aliás grandes vultos da sociedade portuguesa do século passado, muito influenciados pelas ideias libertárias até ao fim das suas vidas: os escritores e jornalistas Ferreira de Castro (1898 – 1974) e Jaime Brasil (1896 – 1966); o filósofo Leonardo Coimbra (1883-1936) ou o cientista Aurélio Quintanilha (1892 – 1987), entre muitos outros.
Assinatura de_Aquilino_Ribeiro
 


domingo, 26 de maio de 2013

A LÍNGUA PORTUGUESA É UMA FESTA

No LEV (Literatura em Viagem), texto da comunicação de João Luís Barreto Guimarães (Notas) - Matosinhos, Domingo, 26 de Maio de 2013

Ao tomar conhecimento do tema proposto para esta mesa, uma vez mais como já vai sendo hábito em mim, estive para declinar o convite. Não me apraz muito discorrer sobre este tipo de temas de cariz genérico que inevitavelmente se apresentam sob a forma de um cliché: o género literário que vou praticando, a poesia, presta-se pouco a generalizações; e a língua que utilizo para escrever poesia, a língua portuguesa, pode ser uma “festa” ou não. Pode ser um autêntico desastre. Além de que, na minha modesta opinião, todas as línguas podem ser uma “festa”. Depende muito do uso que fazemos delas. A nossa língua pode ser uma “festa” aqui, em Portugal, como pode ser no Brasil ou nos países africanos de língua portuguesa, como pode ser nas mãos de quem quer que saiba falar ou escrever português num qualquer canto obscuro da diáspora. Ou do exílio.

            Por isso mesmo não vos vou tomar muito tempo. Sinceramente não sei responder à questão de qual deve ser o nosso papel numa política global da língua. Defender o seu correcto uso e preservação, certamente, difundir a sua utilização, promove-la através do Instituto Camões ou outros institutos próprios? Talvez. Sou apenas um falante, um poeta e felizmente que não me cabe nenhuma dessas tarefas. Como também não me parece que o Brasil queira alguma vez que Portugal seja o seu co-piloto como se sugere no convite, o que pressupõe uma situação de dependência formal. Dos escritores brasileiros que conheci nenhum tinha em relação aos colegas portugueses qualquer sentimento de superioridade literária ou institucional. Pelo contrário, ficam fascinados quando conseguem sentir orgulho na utilização da Língua-Mãe.

            Mas que orgulho pode ser esse? Para responder a esta questão que eu próprio me coloco, precisaria talvez de definir primeiro a palavra “festa” que dá corpo ao tema desta mesa. “Festa” é uma palavra que, já de si, tem muito pouco a ver com poesia. Ou que pelo menos suscita caminhos divergentes e ambíguos. A poesia jocosa e satírica de Bocage será uma “festa”? Talvez. Trata-se de uma leitura que ainda hoje provoca sorrisos em que a lê. Mas seguramente que leitores haverá para quem a escrita de Maria Gabriela Llansol também é uma “festa”, um arrancar de sorrisos interiores de satisfação. O que define verdadeiramente se a utilização da língua é, ou pode ser, uma “festa”? A ironia, o sarcasmo, o humor na poesia de Alexandre O’Neill, ou a cuidadosa dicção, o aporte de pensamento ou a intelecção na poesia de Herbero Helder?

            A poesia faz-se com linguagem, com a língua, e é dessa utilização que em última instância sairá a definição de “festa”. Por isso, para tentar sair airosamente desta cilada que me montaram – e na qual eu aceitei com muito gosto cair - alargarei o conceito de “festa” ao de “gozo”, “deleite”, “prazer” que a língua pode ter do ponto de vista do leitor. E, um pouco abusivamente, estreitarei o conceito de “língua portuguesa” ao de “poesia”, já que é fundamentalmente nesse género literário que me movimento para assim me convidar oficiosamente para esta mesa, agora com um tema próprio e exclusivo próximo deste: “A poesia proporcionará deleite ou prazer?”.

            A poesia pode proporcionar prazer – do ponto de vista do leitor – se o poeta observar três ou quatro características na sua escrita.

            Em primeiro lugar, se estabelecer com o leitor um jogo de inteligência. Se se estabelecer entre poeta e leitor, um comércio de inteligência, de sapiência, de sabedoria. Se o poeta despertar a inteligência do leitor dentro de um limite de razoabilidade, não o excluindo da experiência do poema, antes convidando-o ao conhecimento, como escrevia Steiner, descendo a um nível de intelecção não tão baixo que transforme o poema numa banalidade fácil mas suficientemente baixo para que o leitor possa ter pé, como numa piscina de várias profundidades, e sinta o apelo de subir. O que se troca entre poeta e leitor ao longo dos versos são alusões, referências, conhecimento, intertextualidades e o poeta pode e deve lançar um verso ao leitor para que este o agarre, e possa no decorrer da leitura sentir a alegria do re-conhecimento, o deleite da identificação, o prazer da universalidade de forma a que sinta um estímulo para trepar, agarrar, querer subir, querer saber mais. Os riscos desta relação oculta entre poeta e leitor no intercâmbio de conhecimento são conhecidos: com a ânsia de cativar mais leitores, o poeta pode sentir-se tentado a descer baixo demais nessa imaginária escala de exigência, e ceder a uma facilidade, a um populismo que prejudique a qualidade do seu escrito.

            Por outro lado, como o conhecimento, ao leitor, lhe custa tempo, esforço, horas de leitura (e dinheiro), este pode não conseguir ou não querer agarrar o isco da alusão porque lhe custa, porque não lhe é fácil, simplesmente porque não tem as bases para o fazer. Por isso é importante perceber-se à partida que, infelizmente, num país atrasado como o nosso, o jogo da leitura não é um jogo para muitos mas apenas para alguns – para os que querem – por exemplo, os que estão aqui a assistir a esta palestra, e nesse sentido, aceitar à partida que há um limite de dificuldade abaixo do qual um poeta nunca desce. Isto é válido para um escritor mas também para as outras artes: a música, a pintura, o cinema, etc. Descer abaixo desse nível de facilidade, para um poeta como para outro criador, seria ofender a sua própria arte, ofender a tradição. Para cada um dos poetas, esse limite é condicionado pela sua Visão de Mundo, tanto quanto por outras características que tentarei trazer ao texto, de seguida.

            Ou seja: trata-se de um jogo, de um comércio entre leitor e poeta que pressupõe para ambas as partes direitos e deveres. E que, na minha opinião, exclui os extremos absolutos: o populismo mais fácil e o hermetismo total. Um poeta tem o direito de optar por não ser absolutamente hermético na sua escrita para poder ser lido – e comunicar, e partilhar ideias e pensamentos – mas por outro lado só o será para os leitores que cumprirem o dever de fazer um esforço contínuo de aprender a movimentar-se por entre as estrofes e os versos desta arte a que se convencionou chamar poesia, ou seja, àqueles que a determinada altura do seu processo de aprendizagem e leitura passaram a conhecer as convenções dessa mesma arte, isto é, leram os clássicos e sabem reconhecer algumas senão a maior parte das regras da poesia. E que, decididamente, têm hábitos de leitura. Ou seja, à sua maneira e também através da leitura, aspiram a ser cultos. Só assim é possível esse comércio de inteligência, de ideias, de pensamento.

            O segundo dever de um poeta é para com a originalidade. Um poeta deve ter brio, mas fundamentalmente ética na sua escrita, quer isto dizer que deve tentar despertar a surpresa nos seus leitores, recorrendo à imaginação e à criatividade. Deve esforçar-se por não publicar mais uma obra igual a tantas outras, não deve perder o espírito de autocrítica ao longo da sua obra poética, de forma a nem se repetir, nem deixar de surpreender os seus leitores. Deve aspirar a ser um dos melhores, escreveu-me um dia José Miguel Silva, exactamente um dos melhores. Deve tentar superar-se. Ao mesmo tempo que tem o direito de descer um degrau até ao nível do quotidiano – onde nunca deverá esquecer o cuidado com a linguagem, com a língua - tem por outro lado o dever de elevar o leitor, de livro para livro, até territórios então menos conhecidos.

            Obrigar os leitores a pensar, dar-lhes trabalho, não lhes pôr as coisas fáceis. Obrigá-los a raciocinar, a reflectir, a reagir aos poemas. E dar-lhes como bónus a “festa”, a alegria da surpresa no uso feliz da língua. Alguma coisa química, uma molécula, um neurotransmissor se liberta quando os olhos exteriores levam até ao “olho da mente” de que falava Shakespeare, esse estremeção de novidade e re-conhecimento. Isto só o consegue o poeta que para além de possuir um espírito ético inabalável e uma coragem assinalável, for dono de um espírito de autocrítica fortíssimo. E quem, não tendo pressa, tiver tempo. Não correr atrás da edição. Porque os seus leitores, aqueles que tiveram a amabilidade de o acompanhar até esse estadío da sua obra, são secretamente exigentes e vão querer sempre mais de um autor. Quando sigo um poeta como leitor – e sigo vários – pergunto-me sempre o que será que irá fazer a seguir, se irá conseguir superar-se como poeta. E aqueles que são eticamente briosos, conseguem. Ezra Pound escrevia “make it new”, frase de onde se depreende “otherwise don’t make it at all”. A “festa”, de que fala o título desta mesa, é também esse gozo de perceber que o poema, a crónica, o ensaio, o romance que estamos a ler não só está bem escrito em termos formais, não só é uma boa ideia, como também é algo de novo, algo original, algo que ainda não tinha sido feito, ou dito, daquela maneira.

            O terceiro dever, em literatura, é o da profundidade. E compreensivelmente, esta só se adquire com o tempo. É desculpável que quer o leitor, quer o poeta não apreenda, o primeiro, ou não escreva, o segundo, com essa desejável densidade de linguagem numa primeira leitura, ou escrita, de um primeiro livro, mas é desejável que de livro para livro, de leitura para leitura, de ano para ano, de experiência de vida para experiência de vida o vá conseguindo fazer, ou seja, que o poema seja escrito e lido com as diversas camadas que possui. Por mais simples que pareça. A simplicidade é das coisas mais difíceis de atingir em poesia. Mas simplicidade não é, em poesia, antónimo de densidade.

            O que se pretende é que em cada leitura ou em cada poema escrito, quer para o leitor quer para o poeta estejam cada vez mais evidentes e presentes o sentido trágico da vida no esplendor da sua complexidade - o enigma, o mistério de que falava Tomas Transtömer. Essa densidade, num poema, atinge-se pela contaminação da poesia pela biologia, a física, a química, a história, a filosofia, a sociologia, a antropologia, as belas artes, as religiões, a mitologia, e principalmente, a própria literatura.

            O que isto quer dizer é que nem só de oficina se faz um poema. Um poema contemporâneo vive muito desse magnífico piscar de olho à tradição. Para que a poesia se torne um vicio de conhecimento, de inteligência, de originalidade, de profundidade. Para que se torne uma “festa” para os sentidos, seja em que língua for, em português de Portugal, em português do Brasil, em inglês, alemão, francês, italiano, castelhano, basco, galego ou catalão. Todas as línguas podem ser uma “festa” se se conseguir estabelecer pela qualidade dos textos, um código entre leitor e autor em que cada um oferece ao outro o sublime momento da escrita e da leitura, o máximo que sabe dar: o poeta, desafiando a inteligência do leitor, trazendo-lhe conhecimento, originalidade, e acessibilidade e dificuldade q.b.; o leitor, não desistindo à mais pequena dificuldade, confiando na ética do autor, pesquisando, preparando-se de livro para livro para um enredo cada vez mais denso e profundo. Esse comércio é um intercâmbio de Visões de Mundo, é a linguagem ao serviço do pensamento, e pode, realmente, ser uma “festa”.

            Era isto o que tinha para vos dizer hoje. Até à próxima. Até logos.

 João Luís Barreto Guimarães
            7º Encontro Internacional de Literatura Em Viagem
            Matosinhos, 26 de maio de 2013

https://www.facebook.com/notes/jo%C3%A3o-lu%C3%ADs-barreto-guimar%C3%A3es/a-l%C3%ADngua-portuguesa-%C3%A9-uma-festa/10200671311897598

Helena Sá e Costa, a pianista que "rasgou horizontes para a música"



Centenas de jovens estudantes e músicos tocam hoje em vários espaços Casa da Música, no Porto, para celebrar os cem anos do nascimento de Dona Helena. Professora e intérprete, é uma referência no séc. XX

Festival Literatura em Viagem presta homenagem a Pessoa, que nem ao Porto terá ido

Jerónimo Pizarro abriu os encontros de Matosinhos com uma evocação do poeta cujo Ganges passava na Rua dos Douradores

sábado, 25 de maio de 2013

150 ANOS DE BIBLIOTECA ESCOLAR

 O nosso patrono - José Estêvão
 Um dos nossos, que continuamos a honrar - José Pereira Tavares

pedaços de uma história de 150 anos: o que fomos, o que somos, o que seremos ser

sexta-feira, 24 de maio de 2013

DIA (S) DE ESCOLA

Esta biblioteca é um passo renovado de uma outra, a inicial, que fez recentemente 150 anos. É verdade: 1863-2013.
É isso que hoje, 24/06, 10h 15min , no salão polivalente da Escola Secundária José Estêvão, comemoraremos com simplicidade e emoção.
Estaremos de portas abertas para mostrarmos alguns tesouros da nossa memória e da nossa história.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Nuno Júdice: Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana

O poeta português Nuno Júdice foi hoje galardoado com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, que reconhece o conjunto de uma obra de um autor vivo, cujo valor literário constitui uma contribuição relevante ao património cultural Ibero-Americano.
Nuno Júdice, de 64 anos, é autor de 30 livros de poesia, entre os quais A Matéria do Poema e Guia dos Conceitos Básicos, editado em 2010. O autor, que começou a publicar poesia em 1972 – A Noção do Poema e O Pavão Sonoro –, tem escrito também obras de ensaio, teatro e ficção. A Dom Quixote publicou, no passado mês de Fevereiro, a novela A Implosão. Além do universo hispânico, Nuno Júdice tem obras traduzidas em Itália, Inglaterra e França.
Nasceu na Mexilhoeira Grande, Algarve, formou-se em Filologia Românica pela Universidade Clássica de Lisboa e é professor associado da Universidade Nova de Lisboa, onde se doutorou em 1989. Entre 1997 e 2004 desempenhou as funções de conselheiro cultural e director do Instituto Camões em Paris. Tem publicado estudos sobre teoria da literatura e literatura portuguesa.Tem livros traduzidos em várias línguas, destacando-se Espanha, onde tem uma antologia na colecção Visor de poesia, e França, onde está publicado na colecção Poésie/Gallimard. Dirigiu até 1999 a revista Tabacaria, da Casa Fernando Pessoa. Em 2009, assumiu a direcção da revista Colóquio/Letras da Fundação Calouste Gulbenkian.
O escritor  já foi galardoado com vários prémios literários, nomeadamente o Prémio Pen Clube, em 1985, o Prémio Dom Dinis, em 1990, o Prémio da Associação Portuguesa de Escritores, em 1995, e o Prémio Fernando Namora, em 2004.
O Prémio, atribuído anualmente, e que em 2003 distinguiu Sophia de Mello Breyner Andresen, é concedido pelo Património Nacional e pela Universidade de Salamanca, sendo considerado o mais prestigiado deste género no universo Ibero-americano.


https://www.facebook.com/nunojudice

"O ar está cheio de palavras; e
até as que se perdem contra o fundo
de muros, as que caem no outono
como as folhas das árvores, as
que se afogam no pântano das indecisões,
deixam no ar o seu eco."

Nuno Júdice, in " Poesia Reunida"
Dom Quixote
 


sexta-feira, 10 de maio de 2013

João Villaret: centenário do nascimento

 


João Henrique Pereira Villaret nasceu em Lisboa, a 10 de Maio de 1913.
A vocação para a arte de dizer e de representar manifesta-se nele desde tenra idade, mas não sem enfrentar algumas contrariedades. A primeira desilusão surge quando a directora do Anglo-Portuguese College, Miss Price, decide não o integrar na récita do colégio por manifesta "falta de jeito para representar". O sentimento que o pequeno João nutria por Miss Price era recíproco, considerando-a "uma chata". Mas admirava, com veneração, outra professora, de seu nome Amália, que sentia por ele a mesma admiração. Chamava-lhe, com muita ternura, "Frei João sem cuidados". E talvez por essa empatia, essa mútua compreensão, Villaret lia de tal maneira "Os Lusíadas" que a docente ficava rendida e nem se atrevia a sugerir qualquer alteração. Pelo precoce entendimento que tinha da poesia, e por se considerar a sua leitura tão exemplar, o jovem, quando frequentava o 3.º ano no Liceu Passos Manuel, era enviado para as salas do 7.º ano (actual 11.º ano de escolaridade) a ensinar os colegas como se devia ler o nosso grande épico. Quando se matriculou na Secção Teatral do Conservatório Nacional de Lisboa, em 1928, aos quinze anos de idade, ninguém previa que decorridos apenas três anos, na noite de 16 de Outubro de 1931, Villaret se estrearia profissionalmente no Teatro Nacional D. Maria II, integrado na Companhia de Amélia Rey Colaço/Robles Monteiro, na reposição da peça "Leonor Teles", de Marcelino Mesquita. Assim se iniciava a gloriosa carreira do actor que, no entanto, não se confinaria ao drama e à alta comédia (Gil Vicente, Shakespeare, Molière, Almeida Garrett, Bernard Shaw, Eugene O'Neill, etc.). João Villaret também nutria um especial apreço pelo teatro de revista, onde se vem a estrear em 1941, suscitando o escândalo daqueles que consideravam o género uma arte menor. Em 1947, para a revista "'Tá Bem ou Não 'Tá?", Aníbal Nazaré, António Porto e Nelson de Barros escrevem-lhe o "Fado Falado", verdadeira peça de antologia da história da música e do teatro popular portugueses. Um recitativo sobre uma melodia de fado onde a letra, que jogava habilmente com a mitologia do género, era não cantada mas verdadeiramente "representada" por Villaret, que assim juntou ao cânone da música portuguesa mais um clássico. Outros êxitos vieram depois, como "Esta Vida é um Corridinho" (1952), "Procissão" (1955), "Rosa Araújo" e "Santo António", os dois últimos criados na revista "Não Faças Ondas!" (1956).
Na sétima arte, participou nos seguintes filmes: "Bocage" (1936), de José Leitão de Barros, onde encarnou o rei D. João VI; "O Pai Tirano" (1941), de António Lopes Ribeiro; "O Violino do João" (1944), de Braz Alves; "Inês de Castro" (1945), de José Leitão de Barros, onde encarnou o papel de bobo; "Camões" (1946), também de Leitão de Barros, onde desempenhou o papel de D. João III; "Três Espelhos" (1947), co-produção luso-espanhola realizada por Ladisdao Vadja; "Frei Luís de Sousa" (1950), de António Lopes Ribeiro, onde encarnou a figura do aio Telmo Pais, talvez o seu desempenho mais sublime no cinema; e "O Primo Basílio" (1959), igualmente de António Lopes Ribeiro.
Com uma sensibilidade invulgar e dotado de uma notável intensidade expressiva aliada a um inexcedível poder de comunicação, reabilitou a difícil arte de recitar poesia, prendendo a atenção do expectador, quer em sessões ao vivo (uma que realizou no Teatro de São Luiz seria editada em disco), quer através da televisão. «Não digo versos; procuro reproduzir o momento de angústia, de alegria, de revolta que o poeta sentiu ao escrever o seu poema. Recitando, encontro a plena libertação, pois dou-me esse infinito gosto de interpretar aquilo que amo e que me tocou profundamente.» E Miguel Torga referiu-se-lhe nestes termos: «Nunca é demais agradecer a Villaret o que ele tem feito pela poesia. Os poetas devem-lhe uma espécie de requintada edição oral de alguns dos seus melhores versos; o público, esse resgata-se a ouvi-lo da preguiça que o afastava tragicamente dum convívio que nenhum oiro da terra pode suprir.»
O falecimento prematuro de João Villaret, no auge da glória, vítima de doença cancerosa, a 21 de Janeiro de 1961, causou imensa consternação no país, de tal forma que, durante muitos anos, os lisboetas assinalavam o dia da sua morte com um recital de poesia no Cinema São Jorge, onde a sua voz se ouvia num palco vazio iluminado apenas por um foco de luz. Em sua homenagem, Raul Solnado deu o seu nome ao teatro que abriu, em 1965, na Avenida Fontes Pereira de Melo (às Picoas).
Não sendo muita extensa, a discografia que nos legou constitui um precioso testemunho da sua inigualável arte de dar voz às palavras. Aqui se apresentam dois magníficos espécimes: o poema "Tabacaria", de Fernando Pessoa/Álvaro de Campos, e a cantiga "Santo António" (letra de Fernando Santos e música de João Nobre):
 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

HOJE É O DIA DA EUROPA

SABE, PORVENTURA, O QUE É A EUROPA?

Para desassossego bastava-lhe o seu. Ainda na última assembleia da Associação da Agricultura, o biltre do Zé Botto tivera a desfaçatez de largar uma girândola a favor da industrialização do País, citando exemplos de pequenas nações, cujo peso, dizia ele, se fazia sentir na economia da Europa. Levava o recado estudado por certo grupo financeiro que propagandeava os milagres da sociedade anónima, à sombra da qual enchia as burras, pois muitas delas só tinham realmente realizado uns dois por cento do capital consentido pelo governo e impresso na papelada timbrada com que manejavam créditos bancários. Cortara-lhe o fôlego num aparte: «— Sabe, porventura, o que é a Europa, senhor José Botto?» e o malandrim, embatucado, mas a guizalhar cinismo, respondera-lhe que «mais ou menos atrás do sol-posto».

Alves Redol, "Barranco de Cegos"

terça-feira, 7 de maio de 2013

segunda-feira, 6 de maio de 2013

"Escrever bem é o mesmo que colar selos com a língua - milhares sabem como enfeitar a casa com vírgulas e palavras que não provocam ruído. É como os que têm boa voz para canções, jeito para pintar ou competência para imaginar palcos e actores. Podemos gastar uma vida no engano de um talento que não temos… porque o que faz tocar o céu ou o inferno não se aprende ou imagina. Simplesmente acontece, como um milagre."

LUIS OSÓRIO, "SÓ ENTRE NÓS"

sexta-feira, 3 de maio de 2013

Análise de textos

Uma página para quem gosta da Língua Portuguesa . Contém aspetos divertidos, curiosos e interessantes do nosso idioma!