segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Leitura crítica - Livros para serem furtados

Aqui vai hoje uma provocação:
"Meu pensamento vagabundeava enquanto eu via as figuras de um livro. Foi então que me apareceu uma idéia que nunca tinha visto. Pedagógica. Ela me veio quando me lembrei de uma estória que me contaram.
O agente do governo, desses encarregados de ir pelos campos visitando pequenos sitiantes para dizer-lhes das últimas maravilhas da ciência para assim melhorar suas colheitas e animais, estava desanimado. Visitava sitiantes, conversava, bebia café aguado e doce, contava sobre os porcos melhores que eles poderiam criar, ninguém discordava, mas ninguém fazia nada. Continuavam a criar os porquinhos caruncho, mirrados. Desanimado, ele contou sua tristeza para um velho sábio. E foi isso que ele lhe disse:
"O senhor está usando a pedagogia errada. O povo daqui sabe que ninguém faz nada de graça. São delicados. Não contestam. O senhor fala, eles prestam atenção mas ficam pensando: "O que é que o doutor quer tirar da gente?" O meu conselho é: Pare de visitar e aconselhar. É inútil. Compre uma chacrinha. Cerque com arame farpado, seis fios. E escreva: "Entrada proibida". Aí eles vão perguntar: "O que é que o doutor está escondendo da gente? O que é que a gente pode roubar dele?" Aí, de noite, eles vão assuntar. Vão ver seus porcos grandes e gordos... Agora são eles que vão visitar o senhor. Conversa vai, conversa vem, café com rosquinha, no final eles vão dizer: "Bonita a porcaiada sua. Sadia, grande, gorda..." Então, aos pouquinhos, como quem não quer nada, o senhor vai educando eles..."
Pensei que a filosofia do sábio matuto pode ser aplicada na educação. O roubo é um estímulo poderoso. Santo Agostinho roubava pêras do vizinho só pelo prazer de roubar. Eu mesmo roubei pitangas e, para realizar meu furto, inventei uma maquineta de roubar pitangas. Meu desejo de roubar me fez pensar.Todo pai, mãe e professora fica atormentando as crianças e adolescentes para ler. Comportam-se como o agente do governo tentando ensinar os caipiras. Mas eles não querem ler. Ler é chato.
Livro que se deseja ler são os livros proibidos: precisam ser roubados. Era assim quando eu era pequeno. A gente roubava o livro proibido e ia atrás das passagens mais escabrosas.
Conselho para o pai: compre um livro engraçado e se ponha a ler na presença do filho, durante o "Jornal Nacional". Quando chegar uma passagem engraçada ria, ria muito alto. O menino vai perguntar: "Pai, por que é que você está rindo?" "É esse livro aqui, meu filho." "O que é tão engraçado?" "Agora não posso explicar. Não posso interromper a leitura..." O menino fica intrigado. Seu pai está tendo um prazer que ele não tem. Aí o pai leva o livro para o quarto e o deixa sobre o criado mundo. O menino vai lá assuntar...
Sugiro alguns livros para esse exercício de roubo. As aventuras de Asterix e seu companheiro gordão, Obelix. As tirinhas do Calvin. Ah! Como as crianças e os adolescentes vão se identificar com o que o Calvin sente e pensa sobre a escola e a professora!
Antes de dormir estou me divertindo lendo o livro completo das tirinhas da Mafalda. A figura de que mais gosto é o Manolito, cabelo escovinha, burro, filho de um dono de armazém. Só pensa em ganhar dinheiro. Dá balas para os amigos e depois cobra. Quando o vejo lembro-me do patrão do Fernando Pessoa, o Vasquez. Só largo o livro quando as pálpebras não mais agüentam.Se um livro não provocar o desejo de roubo não merece ser lido."
(Rubem Alves, 21/11/07 - In http://www.brasilquele.com.br

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