A luta contra a discriminação no Dia dos Direitos Humanos
Antigas e novas formas de discriminação e intolerância continuam a dividir comunidades no mundo inteiro. Os sentimentos de xenofobia estão a acentuar-se. Muitas vezes são manipulados para fins demagógicos ou mesmo em defesa de objectivos políticos sinistros. Dia após dia, os seus efeitos corrosivos põem em causa os direitos de inúmeras vítimas. É por esta razão que hoje, Dia dos Direitos Humanos, a ONU pede a todas as pessoas, em todas as partes do mundo, que apoiem a diversidade e ponham termo à discriminação.
A discriminação pode assumir muitas formas, dissimuladas ou gritantes, e pode manifestar-se na esfera pública ou privada. Pode surgir como racismo institucionalizado ou como conflitos étnicos ou manifestar-se em episódios de intolerância e rejeição que escapam a qualquer controlo. As suas vítimas são os indivíduos ou grupos mais vulneráveis a ataques - todos aqueles que, devido à sua raça, cor, sexo, língua, religião, opiniões políticas ou de outra natureza, origem nacional ou social, posses, parentesco, estatuto, deficiências e orientação sexual são considerados diferentes.
A discriminação apresenta frequentemente muitos níveis. Grupos que são marginalizados com base na sua origem ou estatuto são também alvo de exclusão e privados do exercício dos seus direitos, quando tentam obter o acesso que o direito internacional lhes confere à habitação, alimentação, cuidados de saúde e educação.
As pessoas com deficiência são a minoria mais numerosa e mais desfavorecida do mundo. Por exemplo, 98 por cento das crianças com deficiência dos países em desenvolvimento não frequentam a escola. Os povos indígenas representam cinco por cento da população mundial, mas 15 por cento das pessoas mais pobres do mundo. As mulheres são responsáveis por dois terços das horas de trabalho no mundo inteiro e produzem metade dos alimentos do mundo. No entanto, devido à discriminação e às definições estereotipadas de papéis em função do sexo, auferem apenas 10 por cento do rendimento do mundo e possuem menos de um por cento dos bens a nível mundial.
A História tem demonstrado repetidas vezes que, quando se permite que se implantem, a discriminação, a desigualdade e a intolerância podem destruir os próprios alicerces das sociedades e causar danos que perduram durante gerações. Se não forem controladas, podem ultrapassar fronteiras e envenenar as relações entre os países.
A História tem igualmente demonstrado que estas práticas abomináveis não têm quaisquer aspectos benéficos. A discriminação mina a coesão social e económica das sociedades. Depaupera os seus recursos. Esbanja talentos. Marginaliza indivíduos e grupos produtivos, desperdiçando a sua criatividade e iniciativa.
Temos de combater o fanatismo e os interesses mesquinhos que geram discriminação, e temo-lo feito. A visão dos defensores dos direitos humanos, a sua firme determinação e energia têm produzido resultados, sensibilizando o público e dando origem a uma série de tratados sobre direitos humanos, que contêm disposições destinadas a combater a discriminação e a promover a igualdade. Estes tratados constituem um teia de obrigações de protecção que os estados têm de respeitar. Restabelecem a dignidade anteriormente negada a milhões de mulheres, homens e crianças.
Com base neste acervo de normas, foi convocada, em 2001, em Durban, a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa, e, em Abril passado, realizou-se a Conferência de Revisão, em Genebra, para examinar alguns dos aspectos mais insidiosos da discriminação. Esta última terminou com um amplo acordo, em que 182 estados se comprometeram a prevenir, proibir e combater todas as manifestações de racismo e intolerância. A conferência de Genebra reforçou a determinação e o propósito, expressos em Durban, de erradicar o flagelo vergonhoso e tão antigo do racismo e proporcionou uma plataforma para relançar a luta contra a discriminação a todos os níveis.
É inegável que se têm registado progressos extraordinários, mas não devemos parar. A discriminação não vai desaparecer sozinha. Tem de ser permanentemente contestada. Temos de avançar - e rapidamente.
Nunca devemos perder de vista que o exercício dos direitos humanos nos enriquece a todos. Inversamente, quando a dignidade humana é posta em causa ou negada através de violações dos direitos humanos, esses abusos afectam-nos a todos. Isto é especialmente verdade nas nossas sociedades, cada vez mais multiétnicas e multiculturais. É especialmente urgente combater a discriminação em tempos de crise, como a actual recessão económica, já que as crises têm um impacto desproporcionado nos meios de vida dos grupos mais vulneráveis e já marginalizados da sociedade, pois a competição por recursos cada vez mais escassos expõe as minorias a suspeitas e ataques.
A 10 de Dezembro de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos afirmou inequivocamente que "todos os seres humanos nascem iguais em dignidade e direitos". Passados mais de 60 anos, essas palavras ressoam com a mesma acuidade. Tornemos os princípios da igualdade, liberdade e dignidade para todos consagrados na declaração universal uma realidade em toda a parte. A tolerância universal e o respeito pela diversidade são o nosso objectivo.
Navi Pillay
Alta-comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos
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