Um artigo publicado recentemente na edição em linha da BBC News, colocava a questão: “Ler livros torna-nos mais espertos?”, a propósito da iniciativa “Ano Nacional de Leitura” lançada a passada semana pelo Primeiro Ministro britânico.Pois é sobre livros que esta coluna trata neste número, mas nada de crítica literária, pois isso fica para quem sabe. Mas até (me) soa bem poder afirmar que os livros são parte fundamental na minha vida, o que é uma boa verdade. Apesar desta coluna se chamar “Geração Vinil”, esclareço desde já que não usa chinó, lentes grossas nem fatos mal amanhados, estereotipo estafado da figura de bibliotecária, também conhecida por “the shhh people” expressão engraçada pela qual são (ou foram) chamados estes técnicos do livro. Falo de livros enquanto objectos e não necessariamente de leitura. Como poderão imaginar, os processos de tratamento de que os livros são alvo, nada têm de romântico: uma secretária cheia de obras à espera de serem classificadas, catalogadas e cotadas não se compadece com os prazeres da leitura nem com obras primas literárias. Dito de outra forma, um livro do Philip Roth leva exactamente o mesmo tratamento que um livro de receitas de sushi. Pode parecer injusto, mas é assim.Estamos bem longe da ideia romântica da imagem da bibliotecária a namoriscar entre estantes de madeira, como Spencer Tracy e Katharine Hepburn no filme "Desk Set”, a loura Carole Lombard enroscada nos braços do Clark Gable em “No man of her own” ou uma Betty Davis destemida, no filme “Storm center” em pleno “mccarthismo”. Coisas de filmes a preto e branco, como os microfilmes.Porque uma bibliotecária, a cores e na vida real, rodeada de códices, obras de botânica, estampas, mapas, romances ou de bases de dados em linha, com cheiro a livros de tinta fresca ou amarelados do tempo, procura, acima de tudo, fazer chegar o seu trabalho junto dos leitores o mais breve possível. Em vez da fantasia das metáforas, da sintaxe apurada da obra e da beleza da escrita, o bibliotecário suspira por um índice bem construído que lhe há-de ser de grande utilidade quando tiver que a classificar.Para além dos livros que estão à nossa guarda, existem também aqueles que nos oferecem e não lemos, aqueles que vamos comprando e os nunca abrimos, aqueles que damos porque gostaríamos de os ler, aqueles que gostaríamos de ter e nunca compramos por serem caros, aqueles que começamos a ler duas, três vezes e nunca os acabamos, porque entretanto dois ou três outros vão entrando e têm os mesmo destino(1). Sem esquecer os livros que se compram com gula, por causa da capa, pelo retrato que lá está ou seduzidos pela badana, mesmo que o recheio seja, (e é tantas vezes) uma enorme desilusão. Como costuma dizer um amigo, com especial acerto, basta colocar as fotografias ou as imagens certas numa qualquer compilação de receitas de pudins em banho-maria para se tornar um estoiro de vendas.Para além do seu valor literário, patrimonial ou estético, pouco se fala do livro enquanto objecto. Por mim, parece-me bem que cada um fale do que conhece e “classifique” como sabe.
(1) "Se Numa Noite de Inverno Um Viajante", de Italo Calvino -
Maria Isabel Goulão
- In Revista Atlântico, edição de Fevereiro
quarta-feira, 12 de março de 2008
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