Li algures que no início da produção massiva de computadores alguém vaticinava mais ou menos enfaticamente que estes eram o princípio do fim do papel. Para quê, portanto, usar resmas de papel, construir extensos arquivos com grandes despesas de manutenção, derrubar florestas, gastar água, poluir os rios e a atmosfera se tudo se poderia guardar numa simples disquete, num cd, um disco duro ou outro suporte de arquivo com reduzido volume mas grande capacidade de armazenamento. Provavelmente, alguém de espírito pessimista previu também o definhar da indústria do papel, o desemprego sequente, o desaparecimento de algumas profissões até ali tradicionais; outro, mais optimista viu as melhorias ambientais e erupção de novas indústrias, tecnicamente avançadas e geradoras de riqueza e emprego, relacionadas com o computador. Parece que em algumas destas previsões os resultados saíram algo trocados. O consumo de papel aumentou, logo não faliu e, de facto, a indústria informática espalhou-se efectivamente um pouco por todo o mundo criando riqueza e emprego, directo e indirecto.
Relembrando um pouco a história da informática, recordamos que no princípio eram apenas o cálculo, o texto e o monocromatismo. A evolução foi rápida e em cerca de uma vintena de anos saltámos para o multimédia interactivo e daí para uma outra forma de relação, onde o computador é parte do quotidiano experienciado -daquilo onde intervimos directamente -, e percepcionado, isto é, naquilo que sabemos funcionar graças ao funcionamento de um computador.
Para lá da funcionalidade prática de armazenamento, cálculo e processamento de texto, o computador alargou a sua utilização à gestão das bases de dados, à computação gráfica e às comunicações, entre outras. Destas, ganhou relevante expressão o entretenimento. O computador como objecto e ferramenta lúdica ocupa uma larga faixa e utilizadores de todas as idades e sustenta uma florescente indústria de conteúdos audiovisuais. Movimento, som digital, imagem fixa e móvel, efeitos gráficos complicados e texto são os ingredientes desta “festa” para os sentidos.
A possibilidade de comunicação entre computadores, local ou distante, síncrona e assíncrona, permitiu outra dimensão no relacionamento interpessoal. Já não se limita à comunicação entre máquinas, mas também entre os utilizadores.
O computador tornou-se assim uma tríade concentradora de uma realidade impensável há poucas décadas: trabalho, prazer, comunicação.
No entanto, em cada uma delas está presente uma das finalidades para qual foi inicialmente concebidas: o armazenamento de conteúdos e a sua apresentação quando solicitado. Um dos vocábulos mais correntes quando se aborda o tema do armazenamento é memória. Capacidade e natureza, velocidade de acesso e de resposta são outros termos do jargão informático. Umberto Eco numa conferência de abertura da nova Biblioteca de Alexandria, fala-nos metaforicamente nos três tipo de memória associadas à actividade humana: a orgânica (cérebro), a vegetal (livro) e a mineral (silício), fazendo corresponder a cada uma delas um material e uma forma de fixação. Ao computador coube a memória mineral, porque essa é, de facto, a sua natureza. Qualquer destes materiais e destas memórias tem pois a mesma função: guardar a informação, torná-la mais ou menos duradoura. A primeira pela tradição oral, a segunda pela tradição escrita e a terceira…
Nesta preservação da memória há lugar para a inter relação de meios, isto é, um registo oral pode passar a escrito ou a informático e qualquer um a qualquer outro. Tomando como exemplo a actividade política poderemos ter, portanto, o registo digital , oral, de um discurso político, o seu projecto escrito digitalizado e as suas imagens de campanha no mesmo formato. Extrapolando para outras profissões chegamos com facilidade ao audiolivro e ao e-book (vindos do livro “vegetal”), rompendo com uma tradição de 500 anos de fixação por caracteres móveis.
Muitas interrogações se levantam a estes relacionamentos. Procuraremos sistematizá-las proximamente…
terça-feira, 26 de junho de 2007
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