A ascensão das mulheres na ciência foi prodigiosa no último século. Numa famosa fotografia do Congresso Solvay em 1911, Madame Curie é a única presença feminina em 24 retratados. Hoje, em muitos congressos de física ou de química, há uma representação quase paritária dos dois géneros.
Em Portugal, esse progresso foi particularmente nítido. Em 1911 começou a dar aulas na Universidade de Coimbra a primeira professora do ensino superior português: a filóloga de origem alemã Carolina Michaelis de Vasconcelos, que, no ano seguinte, entrou, não sem discussão interna, na Academia de Ciências de Lisboa. No meu livro Breve História da Ciência em Portugal (com Décio Martins, Gradiva e Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010), que fala da ciência até 1974, apenas é referida uma mulher, Matilde Bensaúde, pioneira da genética entre nós no início do século passado. Actualmente o país pode orgulhar-se não só da quantidade como da qualidade das nossas mulheres cientistas (parabéns, Maria do Carmo Fonseca, pelo Prémio Pessoa!). Temos uma das percentagens mais elevadas de mulheres na ciência na Europa e até no mundo: Portugal, nas estatísticas europeias de 2008, aparece em quinto lugar na percentagem de investigadoras, com 45 por cento, quando a média da União Europeia não chega a 30 por cento.
Apesar de ter sido premonitória da chegada maciça das mulheres à ciência, a notícia da atribuição do Nobel a Marie Curie há cem anos foi ofuscada, na imprensa francesa e internacional, por um escândalo, irrompido pouco antes, sobre uma sua ligação amorosa com o físico Paul Langevin, que era seu colega e tinha sido discípulo de Pierre Curie (Madame Curie era viúva há cinco anos, mas Langevin era casado). Por obra e graça de um wikileaks doméstico, um jornal francês publicou cartas de amor entre os dois, facto que motivou um duelo à pistola entre Langevin e um jornalista (nenhum dos dois chegou a disparar). Não faltou quem denegrisse a ilustre físico-química chamando-lhe uma estrangeira perigosa para os lares franceses. E, por causa desse affaire, alguns membros da academia sueca tentaram que ela não fosse receber o prémio a Estocolmo. Mas Marie Curie não hesitou em ir, alegando que o motivo do prémio - a descoberta de dois novos elementos químicos, o rádio e o polónio - nada tinha que ver com a sua vida privada. Madame Langevin conseguiu logo a seguir o divórcio com a custódia dos seus filhos sem que o tribunal tivesse mencionado o nome da dupla laureada Nobel. Esta e Langevin (os dois a uma distância prudente na fotografia do Congresso Solvay, pois na altura o caso era escaldante) acabaram por se afastar, seguindo destinos diferentes. Mas, por uma daquelas ironias em que o acaso é fértil, os genes de um e de outro viriam a cruzar-se mais tarde, quando uma neta de Curie se casou com um neto de Langevin...
E Einstein? Qual foi, afinal, o erro de Einstein? Einstein achava que as mulheres não tinham aptidão para a ciência por não serem criativas. Apesar disso, nutria sincera admiração por Madame Curie, considerando-a uma excepção à regra. Tal não o impediu de comentar a um amigo que ela “não era suficientemente atraente para ser perigosa para quem quer que seja”. Einstein cometeu erros. Mas a depreciação que fez das mulheres foi, decerto, o seu maior erro.
Carlos Fiolhais, Público, 7/Jan/2011
http://dererummundi.blogspot.com/2011/01/o-erro-de-einstein.html
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