Todos estamos cientes da sub-representação da mulher na ciência, predominantemente quando nos referimos a cargos de liderança. Um exemplo elucidativo é o facto de apenas dez por cento dos cientistas contemplados com o prémio Nobel desde a sua criação em 1901 serem do sexo feminino. No entanto, isso torna-se um paradoxo, quando nos apercebemos que o nível de escolaridade da mulher está a aumentar comparativamente ao do homem em todo o mundo. Um número crescente de estudantes do sexo feminino entra nas universidades em áreas tão díspares como as humanidades, a medicina ou até mesmo as engenharias, sendo estes últimos cursos maioritariamente masculinos há pouco mais de dez anos.
*8 de Março de 2009
Raquel Soares - Subdirectora do Ciência Hoje
Professora de Bioquímica, Faculdade de Medicina, Universidade do Porto
Mas como se explica este paradoxo? A principal causa é a pressão que a sociedade exerce na mulher. A ciência é uma actividade apaixonante, que combina a curiosidade característica do Homem com o interesse em descobrir novos caminhos que possam ajudar a humanidade a ultrapassar os problemas quotidianos, sejam eles de índole científica ou tecnológica. No entanto, esta actividade requer um grande esforço por parte dos profissionais. Para além das muitas horas passadas no laboratório, a ciência requer muito tempo de leitura, de reflexão e de discussão.
A somar a estas tarefas diárias, frequentemente os cientistas têm que se ausentar dos seus locais de trabalho para participarem em congressos e reuniões, ou realizarem estágios noutras instituições que são essenciais para a actualização dos conhecimentos e para o sucesso das suas carreiras. O esforço da mulher, particularmente quando tem uma actividade tão cativante como a ciência, é ainda bastante superior ao do homem hoje em dia. A sociedade nas últimas décadas tem vindo a alterar-se, fazendo com que homens e mulheres partilhem as tarefas domésticas. Cada vez mais os homens são capazes de cuidar dos filhos e da organização do lar.
Porém, a mulher continua a ter a seu cargo a gestão destas tarefas familiares. Por isso, torna-se difícil (e por vezes quase incompatível) conciliar a actividade profissional numa área tão absorvente como a ciência, com a vida familiar e social dinâmica da actualidade. Por outro lado, sendo a ciência tão fascinante, facilmente nos embrenhamos no trabalho dias a fio, ficando as restantes actividades do dia-a-dia para segundo plano.
O que seria da ciência sem as mulheres? De um modo geral, a mulher apresenta várias qualidades fundamentais para o desenvolvimento de uma carreira científica bem sucedida. Entre estas destacam-se a imaginação, o espírito criativo, a perseverança, o empenho e o entusiasmo. Estas qualidades tornam a mulher um importante impulsionador da ciência.
Neste dia internacional da mulher, é importante realçar a garra que caracteriza as mulheres do século XXI, envolvendo-se sem receio em variadíssimas áreas da sociedade às quais durante muito tempo não tinham acesso. A ciência, pelo seu carácter absorvente, é um dos exemplos paradigmáticos.
Mas a contribuição da mulher em áreas da ciência como a matemática, a astronomia, a química, a medicina, a agricultura ou a biologia, é já de longa data. Há quatro mil anos uma sacerdotisa na Babilónia dedicou-se ao estudo das estrelas, constituindo uma referência importante para os astrónomos e matemáticos que a sucederam.
O conhecido “banho-Maria” que todos nós usamos diariamente no laboratório, e que contribuiu para o desenvolvimento de muitas áreas da ciência e da indústria, é atribuído a uma química, Maria la Hebrea, que viveu no século I em Alexandria. Já no século XX, o papel das mulheres na ciência tornou-se cada vez mais conhecido. Marie Curie é sem dúvida o caso mais marcante que culminou com a atribuição de dois prémios Nobel (da física em 1903 juntamente com o seu marido, e da química em 1911, pela descoberta de dois elementos químicos).
É verdade que a prevalência de mulheres na ciência tem aumentado significativamente nas últimas décadas. Contudo, ainda há um longo caminho a percorrer até atingirmos a igualdade em número de homens e mulheres na ciência. Será que um dia veremos a versão feminina do estereótipo do cientista de bata branca, com os óculos na ponta do nariz e o cabelo desgrenhado? Esperemos que não! Primeiro porque não é saudável, e em segundo lugar porque o papel da mulher (tal como a do homem) na sociedade não se limita à sua profissão.
A educação dos filhos, por exemplo, é imprescindível e salutar quer para os filhos quer para as mães. Talvez no meio esteja a virtude! Tentemos manter uma vida saudável, tornando compatível uma carreira científica de sucesso com a estabilidade de uma vida familiar que todos desejamos. Não é fácil, mas não é de todo impossível! Evocando Darwin, neste ano em que se comemora o bicentenário do seu nascimento, podemos dizer que a diversidade (neste caso de actividades) é essencial para a evolução.
http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=30039
segunda-feira, 9 de março de 2009
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